sábado, 20 de junho de 2009

Próspero e seus livros

Partindo-se do pré suposto de que qualquer obra adaptada para o cinema torna-se uma nova obra, uma nova linguagem, as duas obras em questão, A Tempestade de Shakespeare e sua adaptação Prospero’s Books de Grennaway, não apenas contam uma mesma história em suportes diferentes, mas possuem aspectos diversos intrínsecos a elas.

Grennway, com a característica de ser um diretor que se utiliza de várias linguagens em seus filmes, haja vista sua obra O Livro de Cabeceira, onde a linguagem escrita é exaustivamente utilizada para ajudar na simbologia proposta do filme, não deixa de lado essa técnica em Prospero’s Books. Nessa adaptação o diretor transforma os principais acontecimentos da peça de Shakespeare em uma espécie de remissiva para os livros que se encontravam na biblioteca de Próspero, o protagonista da história e (ex)duque de Napóles, onde cada um desses livros possuem em suas páginas um conteúdo correspondente, seja simbólico ou explicativo, dos acontecimentos que se seguem no filme. Estes não são apenas livros, mas todo o foco se concentra na leitura deles, aliás, livros belos, que no filme são cheios de magia, a qual o protagonista se utiliza para realizar seus planos de vingança.

De fato a utilização dos livros de Próspero para direcionar a trama do filme é o grande toque diferenciador e enriquecedor da adaptação. Não só assistimos aos acontecimentos no filme, como conseguimos associá-los às descrições dos livros feitas no decorrer da obra, além da técnica do diretor de sobrepor as cenas em diversos momentos, o que pode nos dar uma sensação mais reflexiva do que está acontecendo em determinada cena, o que nos leva a pensar na posição de um espectador em um teatro, onde ele possui a possibilidade de observar vários aspectos de uma cena, desde o cenário que não está compondo a cena principal, até as cortinas e demais componentes do local onde a apresentação está passando. Desta maneira, essa técnica de sobreposição dá ao espectador uma potencialidade de maior riqueza de detalhes e entendimento da trama.

Outro aspecto interessante no Prospero's Books é a decisão do autor de fazer quase que todas as cenas em estúdio, o que culmina em uma maior aproximação com a peça de Shakespeare, já que temos a ideia de que esta seria dramatizada em um cenário fixo, e não poderia ter a mesma flexibilidade que uma filmagem. Porém, ao mesmo tempo que Grennaway não se utiliza desse recurso cinematográfico em seu filme, ele usa de aspectos como a narração em off, a já citada sobreposição de cenas, técnicas gráficas – principalmente na parte em que são apresentados os livros de Próspero – etc.

Não há como compararmos a maneira como as mensagens da peça e do filme são passadas em termos de qualidade, pois, uma se utilizou de recursos teatrais somente e outra tanto destes como dos cinematográficos. Além de entendermos a diferença de tempo de uma obra para a outra, e todas as influências pontuais que cada autor sofreu na produção – aliás, esse aspecto é fundamental para a análise de qualquer obra artística.
Mas o que há para ser analisado é a capacidade que o adaptador conseguiu ao transmitir de novo, e com uma enorme riqueza artística, a obra de um grande – e por consequência, de difícil adaptação por seu já avassalador reconhecimento tanto no teatro quanto na psicologia e literatura – teatrólogo, e como com uma produção cheia de simbolismos e diferentes linguagens foi possível uma releitura, que pode ser feita independentemente da obra original, e melhor ainda com ela.

PROSPERO’S Books. Direção: Peter Grennaway. França; Holanda; Itália; Japão; Inglaterra: Allarts, 1991. 1 DVD (129 min), widescreen, color.

SHAKESPEARE, William. A tempestade. In:____. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1969. 2. v.

Um comentário:

Luiz Felipe disse...

Acho incrível como uma mesma obra pode se inventar e reinventar de acordo com quem conta a história. É interessante comparar e refletir como cada obra afeta uma pessoa de uma maneira única e é capaz de criar algo talvez muito dissonante com o que temos para si mesmos.